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Fé e Política, um diálogo possível e necessário

22-09-2012 21:15

É comum escutarmos as seguintes frases vindas da opinião pública no que se refere à relação entre fé e política: “o papel da religião é o cuidado das almas, a questão social é cuidado do estado”, ou “lugar de padre é na sacristia”, ou ainda “não me meto em política, pois isso não é de Deus”. Em partes, algumas dessas opiniões estão corretas e têm seus fundamentos. De fato, o cuidado com o transcendente, com o espiritual é o papel principal e fundamental da Igreja, e foi isso que ela fez durante séculos, em especial nos séculos que antecederam ao papa Leão XIII. Durante anos se escreveram dogmas e doutrinas em referência à vida espiritual, e à moral da vida cristã, pensou-se em firmar a ortodoxia e os fundamentos da Fé. Durante séculos o principal objetivo da Igreja foi salvar almas, pensava-se em obras sociais, em ajudar aos pobres, mas pouco se pensava nas estruturas de poder que clamavam por mudança. Nas sociedades primitivas, a moral ético-política estava profundamente ligada à crença em um ser superior, criador, santificador ou vingador, mas que pautava as ações morais das pessoas em vista do bem comum numa sociedade onde todos pudessem viver feliz, desfrutando da tão sonhada paz que, bem sabemos, vai além da ausência de guerras.

É claro que durante esses séculos, em especial a partir do século XII também o lado social foi lembrado, as ordens religiosas e as dioceses do mundo inteiro fundaram escolas para as crianças pobres, hospitais para cuidar dos enfermos e empestados, as ordens mendicantes inseriram-se em realidade de pobreza extrema, onde o povo clamava por uma presença de esperança profética. Neste contexto podemos lembrar de Francisco de Assis, Camilo de Lélis, Luiz Gonzaga, Francisco Xavier, José de Anchieta. No entanto as estruturas de poder do estado, sempre estiveram atreladas à instituição Igreja, a política de manutenção de um estado elitista e aristocrático, continuava predominante, e era inclusive fundamentada em conceitos teológicos. Os reis eram sagrados pelo Papa, e tinham grande influência sobre ele e seu colégio apostólico, em contrapartida, a Igreja também teve poder de decisão nos espaços importantes da política dos impérios. O poder que Igreja e Estado assumiam nos anos da cristandade medieval, mesmo que profundamente discutível e reprovável pelos valores contemporâneos, não deixa de ser uma prova clara de como fé e política andam juntas, mesmo que em constante discordância, em especial quando a fé se vê atrelada ao poder e aos favores dos poderosos.

Podemos então nos questionar, como falar em fé e política? A palavra política deriva do radical grego pólis, que significa cidade, lugar onde se habita. Política, é portanto, o cuidado do bem-comum, da casa de todos. Quem tem consciência de cuidado com a sociedade onde vive, têm consciência política. Ora, se cremos que nossa fé nos leva a assumirmos atitudes coerentes e radicais com a proposta do Evangelho, nossa vida de fé não pode ser separada da vida política. Então é papel de todo o cristão estar atento ao cuidado da cidade, do estado e do país. Não podemos, como cristãos, ficar com a consciência tranqüila, ao vermos crianças abandonadas, famílias passando fome, pessoas sem trabalho, sem casa, sem terra para produzirem seu alimento. Sabemos que as situações de pobreza no nosso país são em grande parte frutos de um neo-liberalismo que valoriza o lucro acima de tudo e o de onde os seres humanos não passam de peças descartáveis.

Tudo em nossa sociedade é movido pela política, o simples fato de declarar-se contra a política, é um ato político. Há, no entanto, a política a favor e a política contra, a política de uns ou outros; a política da contestação, e a política da alienação. Para se viver em sociedade se faz necessária a organização política, todos aqueles que se relacionam no meio social são obrigados a serem políticos. Como bons cidadãos, é nosso dever termos a consciência crítica diante dos candidatos e de suas propostas, pois cada candidato representa um partido, com alianças, com linhas de ação, com filosofias, com uma história que precisa ser conhecida a fundo. Consciência crítica, antes de tudo, é saber pelo que optamos, sem alienação, e com total consciência das conseqüências decorrentes de nossos atos.

Mas e onde entra a fé no meio político? Partindo da premissa de que a verdadeira espiritualidade é aquela que nos torna melhores, não podemos fazer dicotomia entre experiência de Deus e compromissos com os irmãos. “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”, nos diz o Apóstolo  João. O amor de Deus não representa uma força centrípeta, onde tudo se volta ao indivíduo, e onde este é o único objeto de amor. Há teólogos que comparam esse amor com uma força centrífuga, que se expande infinitamente. Aquele que ama a Deus de verdade, e sente o amor de Deus em sua vida, sente uma explosão tão forte, que é impossível guardá-la somente para si, mas precisa compartilhá-la. Os cristãos sabem que não são salvos pelas obras, mas pela graça de Deus, porém o próprio apóstolo Tiago nos diz que “a fé sem obras é morta”, e é morta mesmo! A fé só se sustenta quando está acompanhada com a ação. A fé de alguém que vive fechado em seu egoísmo precisa ser seriamente questionada.

A Igreja orienta a prudência dos padres e religiosos quanto à participação na política partidária. Esta é reservada aos leigos, que são chamados a aderir a um partido, e colocar-se na disponibilidade de servir ao povo. No entanto, é missão da Igreja orientar o seu povo para que escolham bons representantes, votando em pessoas íntegras, que tenham como prioridade vida plena para todos. Além de orientar, é missão da Igreja enquanto profetiza, denunciar as injustiças contra o povo, denunciar a corrupção, as ações contrárias aos valores vitais e cristãos, e anunciar o Reino de Deus como opção preferencial pelos pobres, marginalizados, excluídos, os preferidos do Senhor. É urgente optarmos por uma pastoral que valorize os pequenos agricultores, os jovens, os povos indígenas e quilombolas, os soropositivos, os portadores de deficiência, as crianças, os idosos, as mulheres e os homens, os marginalizados por cor, etnia, opção de vida, e tantas outras realidades. Precisamos nos inserir enquanto Igreja e transformar as estruturas que ainda oprimem nossa sociedade. Só assim estaremos gerando a verdadeira libertação. Somente quando todos tiverem acesso à moradia, quando nenhuma criança passar fome ou sede, quando todos os agricultores tiverem terra para plantar e gerar seu sustento, quando todos os jovens puderem escolher seu futuro sem pensar em quanto será seu salário, mas em quanto podem fazer a diferença no mundo, aí sim, eu creio que o Reino de Jesus estará mais perto, e então se escutará, ressoando nos corações proféticos, “vinde benditos de meu Pai”.

Frei Andrei

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